segunda-feira, 11 de julho de 2011

Duarte Gomes: "Sou adepto do Benfica" (Exclusivo Relvado) - Actualizada

Na primeira parte da entrevista ao Relvado, o árbitro de Lisboa reconhece ainda que errou ao não expulsar Belluschi, que lhe deu uma "peitada" no Braga-FC Porto da época passada.

Duarte Gomes, um dos árbitros portugueses mais conceituados e quinto classificado na temporada passada, deu uma entrevista ao Relvado na qual respondeu a todas as questões. Revelou que é adepto do Benfica e também explicou algumas das suas polémicas decisões na temporada passada. Não duvida do seu acerto quando expulsou o sportinguista João Pereira no jogo com o Portimonense e reconhece que errou quando não tomou a mesma decisão em relação a Belluschi, médio do FC Porto que lhe deu uma "peitada" em partida com o Sporting de Braga.

Leia a primeira parte da entrevista do árbitro lisboeta ao Relvado.

Relvado - Os árbitros raramente assumem o seu clube. Podemos saber qual é o seu?
Duarte Gomes - Sim, sem problema nenhum. Comecei a arbitrar com 18 anos e não tenho culpa nenhuma de nessa idade já ser um ser humano e ter as minhas opções bem definidas a nível pessoal, profissional e desportivo. Sou adepto do Benfica. Sempre fui... Nunca o neguei sempre que me foi solicitado o preenchimento de questionários relacionados com arbitragem. Mas suspendi as minhas quotas de sócio do Benfica a partir do momento em que passei a ser árbitro.
Enquanto adepto sou benfiquista, mas como árbitro sou só árbitro. O Presidente da República é o presidente de todos os portugueses, mas é do PSD... O Luís Filipe Vieira é um bom presidente do Benfica e foi um excelente presidente do Alverca. O Simão Sabrosa jogou no Benfica de corpo e alma e fez toda a sua formação no Sporting. Ou seja, o profissionalismo das pessoas não pode colocar em causa as suas opções pessoais. Mas há muitas pessoas que o árbitro, por ser de determinado clube, o vai beneficiar, ou pior ainda, o vai prejudicar para mostrar que é sério.
Já fiz jogos do Benfica que o clube ganhou, empatou e perdeu. Já tive erros a favor e contra claríssimos, isso faz parte do futebol. Quem não deve não teme!

R- Na época passada, expulsou João Pereira, jogador do Sporting, depois deste o ter insultado, como de resto é bem visível nas imagens televisivas. Mas não fez o mesmo quando Belluschi, jogador do FC Porto, lhe deu uma "peitada" num encontro com o Sporting de Braga. Quer explicar porque tomou duas decisões diferentes?
DG - Em cada momento, o árbitro toma a decisão que entende que tem de tomar, que é apropriada. Numa das situações, foi muito clara qual foi a linguagem usada. E felizmente que as imagens televisivas o confirmam, senão era acusado se ser persecutório. A televisão às vezes também ajuda os árbitros, sabe? Tenho de definir a linha entre o que é um desabafo e a frustração do jogo e o que é injúria direta, ofensiva e ordinária, o que aconteceu nesse caso. Quem se sinta incomodado com essa decisão, lamento. Mas se voltar a acontecer uma situação do género com qualquer outro atleta, tomarei medida igual.
Em relação ao Belluschi, reparei na televisão que fiz uma má gestão da situação. É um caso claro de um erro... Mas no campo, a minha perspetiva é diferente. Na altura, vou preparar-me para advertir um jogador, que não o Belluschi, este coloca-se no meu caminho e tenho a certeza que fui eu que provoquei o primeiro contacto. E ao fazê-lo, recebo um contacto do jogador. O que eu penso é: 'aguenta-te que tu é que foste à pancada'. Mas reconheço que a imagem que aparece na televisão é diferente e que fiz uma análise errada.

R - Há duas épocas, empurrou Ricardo Peres, treinador de guarda-redes do Sporting, quando esta orientava os exercícios de aquecimento de Rui Patrício, antes de um jogo. O que se passou? Já voltou a cruzar-se com ele?
DG - Foi um momento de alguma intensidade emocional das duas partes, num contexto em que o Sporting criava uma pressão enorme para cada érbitro que ia a Alvalade. Felizmente já não o faz... Essa pressão era criada por dirigentes, técnicos e adeptos. Havia ali a ideia que o Sporting era perseguido pelos árbitros e isso era muito alimentado pelos media.
Houve um conjunto de coisas que foram ditas no momento do aquecimento dos árbitros que não caíram bem e foi o que se viu... Hoje em dia não faria nada daquilo. Mas sabe que os árbitros, tal como os jogadores e os treinadores, também são homens e não estão livres de expressar as suas emoções, embora tenham de saber geri-las. Neste caso, não soube gerir as minhas emoções, mas está ultrapassado.


"Não é o dinheiro que move os árbitros"
Árbitro de Lisboa defende a profissionalização de forma acérrima, mas esclarece que as razões económicas não são a principal preocupação.
Na segunda parte da sua entrevista ao Relvado, Duarte Gomes aborda o quinto lugar na classificação dos árbitros portugueses, reconhecendo que o primeiro foi muito bem empregue a Pedro Proença. Defende a profissionalização no setor e confessa não ter paciência para os programas futebolísticos de debate na televisão, onde se passam horas a analisar a atuação dos juizes.

Relvado - Acha que o quinto lugar que obteve na época passada foi justo?
Duarte Gomes - As classificações refletem sempre de uma forma mais ou menos objetiva o que é o nosso trabalho, de acordo com os observadores e de outros fatores de menor importância, como os testes físicos e escritos. Aceito a classificação e honestamente acho que foi justa. Não tive uma temporada isenta de erros e dificilmente o pode ser. Alguns desses erros tiveram maior impacto mediático... A entrega e a dedicação é sempre a mesma, tal como a concentração, mas muitas vezes há jogos que não nos correm bem, tal como acontece com os jogadores.
R - Concorda com o primeiro lugar de Pedro Proença?
DG- Foi um excelente vencedor, sem dúvida que mereceu este prémio. A mim, resta-me trabalhar para na próxima época fazer mais e melhor.

R - É difícil ser-se árbitro em Portugal?
DG - Não mais do que em outros países latinos, que têm uma cultura desportiva muito apaixonada. Mas por exemplo, o futebol turco e o futebol grego são muito mais agressivos que o português. Somos um país com as suas características e que tem o seu escape no futebol, com as pessoas a desabafarem e a expressarem as suas emoções. Mas isso é desafiante e não difícil.

R -Como analisa alguns programas da televisão portuguesa em que se passam horas e horas a analisar os casos de arbitragem da jornada?
DG - Deixei de ver esses programas, porque percebi que tinha coisas mais importantes para fazer. A arbitragem tem erros e não podemos tapar o sol com a peneira. Mas são erros tão ou mais importantes como o que os jogadores, treinadores e presidentes cometem. Só que na arbitragem põe-se logo a tónica no erro deliberado. E como isso me incomoda, mudo de canal, onde sei que ninguém se está a desculpar com a arbitragem. Mas é um pouco o reflexo da nossa cultura desportiva.

R- Voltando à classificação dos árbitros, como explicar que Olegário Benquerença seja nomeado para apitar uma meia-final da Liga dos Campeões e em Portugal seja...19º classificado?
DG - Bom, é complicado para mim falar da classificação dos colegas, até porque ela é feita com base em muitas variáveis. O Olegário Benquerença tem provas dadas a nível internacional, é um dos árbitros que mais merece a confiança da FIFA e da UEFA, o que atesta da sua qualidade e da sua competência, pois os critérios desses organismos são muito apertados e rigorosos. Se eventualmente as coisas não correram como ele queria, de certeza que na próxima época as coisas vão melhorar. Apesar de tudo, a classificação é apenas um "ranking" de estados de forma sucessivos. Não põem em causa a qualidade de um árbitro.

R - O público não percebe algumas notas que são atribuídas aos árbitros, tendo em conta a prestação que foi visível. Concorda com os critérios usados pelos observadores?
DG - Eu percebo essa dificuldade, por isso é importante fazer alguns esclarecimentos... Em cada jogo, nós temos notas de 1 a 5. De 4 para 5, são muito raras, são patamares de excelência, tendo em conta a dificuldade do jogo. O 2,8 ou 2,9, que podem ser classificadas como satisfatórias, são notas terríveis para os árbitros. O 3,1 ou 3,2, sendo positivas, são igualmente muito penalizadoras. As notas médias são apenas de 3,4, 3,5 para cima. Quem tiver para baixo, está já em prejuízo em relação aos colegas.

R - É a favor da profissionalização dos árbitros?
DG - Sim, sem dúvida. É o caminho inevitável e essa é uma ideia comum a todos nós. Não podemos ser os únicos amadores numa estrutura profissional. Por sucessivas mudanças de governo ou questões de índole financeira - que também não são o cerne da questão - a profissionalização não tem avançado. Não existe grande vontade de quem dirige em montar esse projeto, o que é pena. Não é o dinheiro que move os árbitros, mas apenas ter mais tempo para treinar e menos para aborrecimentos de outra ordem, nomeadamente gestão de horários com o nosso outro emprego. Ou treinar a seguir ao trabalho quando este tiver sido muito desgastante. Ou falhar um treino por causa de uma reunião...Ou a ir a correr para um jogo...
Para se ter uma ideia, apitei um Boavista-Aves que acabou por dar o título ao Boavista, em 2000/01, depois de sair do trabalho às seis da tarde. Fui a "voar" até ao Porto! Não faz sentido o futebol profissional ter um árbitro com esta responsabilidade que seja amador. E não confundam este nosso desejo com o facto de querermos ganhar mais dinheiro.

R - Quanto ganha um árbitro na Liga portuguesa atualmente e quanto passará a ganhar quando a profissionalização avançar?

DG - Em valores brutos, ganhamos 1100 euros. Mas as despesas como almoços e jantares são por conta dos árbitros. Se tirarmos o IRS e mais 100 euros de refeições e outras despesas, o valor líquido andará em torno dos 600 ou 700 euros. Quando a profissionalização avançar? Ainda não há valores discutidos. O que temos em cima da mesa são projetos, apenas. O dinheiro nunca foi uma questão relevante.

R - Qual é a sua profissão? É muito difícil geri-la com a carreira de árbitro?
DG - Tirei o curso de Direito, mas sou bancário. É complicado... Tive de chegar a um acordo com a minha entidade patronal para ter um horário mais reduzido. E hoje em dia há jogos do campeonato à segunda, à sexta... E das competições europeias à terça, quarta, quinta... Houve uma gestão que tive de fazer, com grande sacrifício pessoal. Mas autoprofissionalizei-me, de modo a ter mais tempo para dedicar à arbitragem. A estrutura não fez, tive de ser eu próprio, com o sacrifício daí inerente.

"Sou um árbitro mediano"

Na terceira e última parte da sua entrevista ao Relvado, Duarte Gomes garante que nunca o tentaram subornar, mas conta o episódio em que um dirigente foi particularmente ameaçador. Considera-se apenas um árbitro mediano, confessa que se motiva quando é insultado pelo público e revela-se a favor da introdução de um único meio tecnológico: o chip na bola ou na linha de baliza.


Relvado - Já recebeu uma "proposta indecente" de algum clube?

Duarte Gomes- Honestamente, não. Tive uma vez a situação de um telefonema pós-jogo, da parte de um presidente de clube, há 8 ou 9 anos. Em tom ameaçador, disse-me que a arbitragem tinha sido uma vergonha. Desliguei o telefone e dei conhecimento imediato do telefonema ao presidente do Conselho de Arbitragem. Mas nunca tive qualquer proposta pré-jogo, nem qualquer tipo de suborno. Acho que isso hoje em dia está fora de questão, pois existe muito receio das escutas, as pessoas têm medo de ser apanhadas. Ao menos o Apito Dourado foi bom nessa questão, porque foi preventivo, mesmo não tendo sido punitivo.

Há uns anos atrás notava-se uma excessiva simpatia quando a equipa de arbitragem chegava ao balneário. Era do género 'se eu for simpático, pode ser que me beneficies'. E depois, muita azia se as coisas não corriam bem... Mas isso acabou quando as pessoas começaram a perceber que se ganha tanto em casa como fora e que os jogadores são expulsos em casa e fora. E esta geração de árbitros tem tido um contributo importante para a mudança de mentalidades.

R - Pode saber-se qual foi esse presidente que o ameaçou?
DG - Honestamente, não me parece necessário. Até porque esse senhor já não está nesse clube, que continua muito bem e a ser bastante respeitável. O senhor saiu pouco tempo depois, de forma um pouco forçada. Era alguém que pensava que as coisas ainda se resolviam à moda antiga...

R - Os clubes portugueses ainda oferecem presentes aos árbitros?

DG - No início da minha carreira na I Liga, ainda havia alguns clubes com algumas ofertas simbólicas. Por exemplo galhardetes, pequenas medalhas ou pratos da Vista Alegre. Mas isso foi-se esbatendo e eu há muitos anos que não tenho qualquer abordagem nesse sentido. Apenas um ou outro galhardete, ou a camisola de algum jogador, o que é perfeitamente normal. As relações entre os árbitros e os clubes devem ser de cortesia, mas puramente institucionais. Qualquer tipo de aproximação no contexto atual do futebol, não é ainda possível.


R - Os árbitros estudam os jogos com cada vez maior cuidado, nomeadamente os jogadores que vão encontrar. No seu caso, como se processa esse estudo?

DG - Tenho cuidado, mas um cuidado amador. Consigo disponibilizar alguma parte do meu tempo para procurar munir-me das ferramentas necessárias... Nós conhecemos os jogadores, mas não podemos criar um preconceito em relação a eles. Um jogador que tem um historial de simulações, pode mesmo ser derrubado dentro da área... É importante conhecê-los, mas não podemos fazer juízos de valor e essa linha é muito ténue e difícil de distinguir.Temos de saber quem são os jogadores mais refilões, os mais rápidos, quem tem mais técnica, etc... Mas é importante, tendo essa ferramenta, saber aplicá-la de forma correta.


"Motivo-me quando sou insultado"


R - Qual é o estádio mais complicado para os árbitros portugueses, ou pelo menos para si em particular?

DG - Motivo-me quando sou insultado. Por isso, os estádios que mais gosto são esses, onde ouço mais ruído. O pior para mim é quando não tenho gente nos estádios. Por exemplo, os campos do União de Leiria, do Belenenses, do Beira-Mar, da Naval... são estádios tenebrosos para quem está a arbitrar e a jogar. Quando não há ruído e festa e quando ouço o eco do meu apito é difícil concentrar-me.


R - Em que aspetos considera que pode melhorar como árbitro?

DG - Sou um árbitro mediano e isso não é falsa modéstia, pois seria vaidade. Tenho colegas com qualidades inatas melhores e por outro lado, sou muito crítico em relação às minhas atuações. Mesmo que sejam erros pouco visíveis, eu acho que posso fazer melhor. Nomeadamente ao nível da colocação no terreno e coordenação com os colegas. Diria que tenho de trabalhar muito a nível da colocação. Isto porque muitas vezes quero estar próximo dos lances e sou apanhado no meio das jogadas, por exemplo quando há jogadas de contra-ataque. E é difícil para nós acompanhar uma mudança de ritmo, não estorvando a jogada.

Infelizmente, já cometi muitos erros ao longo da minha carreira, alguns evitáveis, outros nem por isso. Mas mais do que a realização em termos classificativos, o meu objetivo é superar-me e tentar estar cada vez mais concentrado a cada jogo. Tento fazer uma boa gestão no relacionamento com os jogadores. Tento compreender os seus estados de espírito em cada momento, tentando aplicar a lei no meio disto tudo. Por vezes, não é fácil, mas é desafiante.

R - É defensor de equipas de arbitragem fixas ou entende que deve haver alguma rotação?

DG - Neste momento, depois de termos experimentado rotação num período bastante vasto, sou a favor de equipas fixas. A cumplicidade de uma equipa que trabalha diariamente é a mesma que existe numa equipa de futebol que atua junta há vários anos... E se trocarmos de elementos, por muito bons que eles sejam individualmente, a equipa não funciona. Nas equipas fixas, quando olhamos um para o outro, já sabemos o que ele está a pensar.

R - É a favor da aplicação dos meios tecnológicos no futebol? Se sim, de quais?

DG - Sou a favor de tudo o que pode ajudar o futebol, mas que não retire a humanidade da modalidade. Falamos muito na televisão e na repetição de imagens. Mas as pessoas têm de pensar: se um jogo pára para se ver uma repetição três ou quatro vezes, há uma grande quebra de ritmo. E essas imagens podem suscitar opiniões diferentes de quem as analisa. Um sportinguista, um benfiquista ou um portista não analisam os lances da mesma forma, mesmo na televisão. E depois, o ónus da culpa seria para quem decidisse na televisão. A introdução da televisão não beneficia o futebol.

O que me parece inevitável é a questão do chip na linha de baliza. Essa é uma das piores decisões que temos de tomar. Só quem está literalmente na direção da linha de baliza é que consegue dizer a 100 por cento que a bola ultrapassou o poste e por isso entrou. É impossível o árbitro consiguir ver. Quanto ao assistente, está preocupado com o fora-de-jogo e por isso colocado três ou quatro metros atrás. Está a ver na diagonal e nunca vai ter a perceção real da situação. É um erro gravíssimo, com influência no resultado e que nós agradecíamos que nos tirassem das costas, pois não temos condições nenhumas para avaliar.


R - Se fosse possível escolher o melhor e o pior jogo da sua carreira, quais seriam?

DG - Ao contrário do que as pessoas possam pensar, não escolho os jogos mais mediáticos. Com uma carreira de 20 anos de arbitragem, 14 dos quais na I Liga, tenho muito por onde escolher... O jogo mais marcante foi a minha estreia como árbitro, na altura assistente de António Marçal. Foi em Outubro de 1991, tinha 18 anos. Foi um encontro de iniciados, na Boa Hora. O jogo mais marcante pela negativa foi um que...quase arbitrei, há dois anos. Foi a final de um torneio particular. no CIF. Tive reações de tal forma adversas dos jogadores que aos 20 minutos entreguei o meu apito e vim-me embora. Foi a única vez que desisti de um jogo. Hoje em dia, talvez não fizesse isso, mas teria de ter expulso uma série de jogadores...


In:Relvado

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