quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Pedro Proença: «Justifiquem os investimentos e deixem os árbitros em paz»

Aos 41 anos, Pedro Proença chega finalmente a uma grande competição internacional, tendo sido nomeado para o Euro’2012; pede uma resposta clara à questão da profissonalização dos árbitros, ao mesmo tempo que comenta as críticas dos dirigentes portugueses.

RECORD – Estava a contar com esta nomeação para o Europeu, ou foi surpreendido?

PEDRO PROENÇA – A partir do momento em que integro o quadro de elite da UEFA, a par de outros árbitros portugueses, como é o caso do Olegário, obviamente que as minhas expectativas em estar no Europeu eram possíveis. Percebemos que este tipo de nomeação depende de um momento ou de um conjunto de circunstâncias que, muitas vezes, não são planeadas. Tendo eu feito uma boa época em termos internacionais, ter recebido esta nomeação foi o reconhecimento do meu trabalho. Fiquei satisfeito por conhecer a minha nomeação para o Euro’2012.

R – E que critérios podem influenciar a nomeação?

PP – O momento de forma em que nos encontramos à data da nomeação, e eventualmente o nosso desempenho ao longo dos últimos seis meses nas competições ao mais alto nível da UEFA, como é o caso da Liga dos Campeões. A UEFA, no meu caso concreto e no da minha equipa, achou que a nossa intervenção foi positiva e, por isso, tínhamos expectativas.

R – O número de jogos que pode dirigir no Europeu está intimamente ligado à participação da Seleção Nacional. Que expetativas leva para este Europeu?

PP – Estamos a falar de torneios curtos e, às vezes, basta uma decisão mais infeliz para sermos excluídos. A primeira grande parte, que era estar na fase final, foi conseguida. Depois, o mínimo que me proponho fazer serão dois jogos. Obviamente que o desempenho da Seleção Nacional está diretamente relacionado com as minhas próprias expectativas.

R – Tendo isso em conta, considera-se o melhor treinador português?

PP – Tenho sempre dificuldade em perceber o que é isso do melhor árbitro português. Eu acho que nós temos momentos, e a verdade é que nas últimas temporadas as coisas têm-me corrido bem. Tenho a consciência absoluta de que Portugal, dos 25 árbitros de 1.ª categoria, tem um leque de árbitros do mais alto nível, e que o futuro, a curto prazo, está salvaguardado por uma nova geração de gente, que vem com uma capacidade de entrega fantástica.


R – É um facto que a arbitragem portuguesa tem evoluído, e o Pedro disse que o futuro próximo está garantido. Esta melhoria deve-se a um esforço dos árbitros ou ao trabalho feito pela Liga?

PP – É um trabalho feito por um todo. A nossa Liga foi considerada a 4.ª melhor do mundo. Ao nível do futebol profissional, tem sido feito um esforço para a evolução do futebol em geral e em particular na arbitragem, dotando-a de meios e condições que permitem hoje a um árbitro realizar um trabalho a um nível elevado. Os árbitros também souberam aproveitar essas oportunidades. Há muito a fazer para termos uma arbitragem mais consistente, que possa defender ainda melhor a verdade desportiva, mas também é um facto que os árbitros dispõem hoje de um conjunto de condições que não tinham há uns anos, que lhes permitem melhores desempenhos.


R – Tivemos recentemente duas listas candidatas ao Conselho de Arbitragem, o que pode dar a ideia de alguma divisão. Tem algum tipo de preocupação com isto?

PP – Não. Ficaria preocupado se houvesse um unanimismo completo em relação às ideias para o futuro da arbitragem. A questão de existirem várias perspetivas, ou neste caso duas listas, foi um sinal de que a arbitragem está viva e que há quem se preocupe com ela. As coisas acabaram por decorrer com normalidade, de forma civilizada, sem agressividade, e as pessoas puderam expor de uma forma clara as suas ideias. Com a utilização do método de Hondt, acabou por haver um misto na composição do conselho, o que considero positivo. As pessoas que hoje compõem o Conselho são a garantia de que o futuro próximo está assegurado.


R – Que comentário faz à liderança de Vítor Pereira na arbitragem?

PP – Sou suspeito para falar, porque sou grande amigo dele. Com a experiência que foi adquirindo, consegue ter uma perspetiva abrangente do futebol em geral e da arbitragem em particular. É uma pessoa de consenso e, tendo recebido um passivo difícil de gerir, como é o da federação, depois de se ter limitado a gerir durante anos apenas o futebol profissional, tenho esperança que as coisas vão correr bem com o triplo dos recursos e das pessoas que estão ao seu dispor.

R – Uma das ideias mais claras de Vítor Pereira é conduzir à profissionalização dos árbitros. Concorda que este é o caminho?

PP – Tenho a noção perfeita de que os árbitros estão no seu limite máximo das capacidades para desenvolver um trabalho positivo nos campos. Neste momento não há mais espaço de manobra nem se lhes pode pedir mais. O que as pessoas têm de perceber, nomeadamente os dirigentes, é que, se querem que a arbitragem dê um passo qualitativo, passando de um nível bom para um nível excelente, têm de dar condições aos árbitros para que sejam profissionais. Em tese, o profissionalismo é o único caminho a seguir. Aquilo que temos de perceber é se o futebol tem capacidade para gerar receitas de forma a que possa suportar os custos de um profissionalismo da arbitragem. No binómio de custo e benefício, há que perceber se há condições para dar esse passo. E, se forem criadas condições para um bom desempenho económico-financeiro e de sustentabilidade deste edifício, obviamente que esse passo tem de ser dado.

R – Os árbitros sentem-se de alguma forma o parente pobre do futebol, tendo em conta que até são os mais insultados durante o jogo, acabando por receber tostões, quando estão a dirigir artistas que auferem milhões?

PP – Quanto a mim, essa é uma perspetiva redutora da questão. Não tenho essa ideia miserabilista. Os árbitros hoje ganham muito bem, tendo em conta a realidade portuguesa. Temos de perceber que o salário mínimo no país não chega aos 500 euros por mês. Não gosto de comparar os atletas de alta competição com a realidade dos árbitros, porque teríamos de medir que a carreira de um árbitro chega aos 45 anos, e que um jogador chega aos 32 ou 33. A comparação é legítima, claro, mas não deve ser feita. É fácil perceber quanto é que um árbitro de primeira categoria aufere hoje, tendo em conta que é uma atividade secundária na siua vida. E não é por aí que devemos ir quando se fala em profissionalismo. Há que ter a perceção que as verbas que são hoje atribuídas aos árbitros permitem-lhes excelentes condições para o desempenho da sua atividade. Mas, quando falamos em profissonalismo, pensamos em todas as condições que devem ser paralelas à sua atividade de árbitro, que lhes permitam descansar, ou ter um corpo técnico que os possa preparar para os jogos, ou ter preparadores físicos para que sejam ainda melhores, ou um corpo de psicólogos que os possa ajudar nos momentos menos bons. É todo um edifício que não diz apenas respeito à retribuição. É a esse nível que a arbitragem tem de dar o salto.


R – Um dos grupos de trabalho nomeados pelo governo disse no seu relatório que devia avançar-se para a profissionalização. Concorda na generalidade com as propostas feitas?

PP – Li o relatório e tinha expetativas em relação a essa comissão, mas infelizmente foi mais do mesmo. Para fazer um relatório assim, não era necessário criar uma comissão e envolver tanta politiquice. Sou muito pragmático. Chega de andar a falar em projetos de profissionalização e deste ou daquele modelo. Estamos no limite. As pessoas, sejam dirigentes ou políticos, têm de assumir de uma vez por todas se querem ou não ter árbitros profissionais. A forma como se molda a questão é fácil. Qualquer prestador de serviços sabe o que é um contrato a termo certo, ou como funcionam os recibos verdes. O vínculo não é a preocupação. Importa é saber se é o que querem mesmo. Não era preciso este relatório. Até queria pedir ao Governo ou a quem o fez para, daqui a seis meses, ir verificar o que foi feito do que lá está escrito. Foi mais do mesmo. O que foi feito há muito tempo que se sabe. O problema é que nunca mais vemos ninguém decidir se quer ou não ter árbitros profissionais. Discutem-se as boas ou as más decisões dos árbitros, mas quando chega a altura de se pensar no que é melhor para a arbitragem, parece que toda a gente se esquece dos estudos que se fazem, e não se assume uma posição frontal.

R – Há sempre quem coloque a questão dos árbitros falarem ou não publicamente antes ou depois do jogos. Por exemplo, o Duarte Gomes assumiu um lance menos feliz, há dias, numa rede social, e isso provocou uma série de análises. Que opinião tem sobre este assunto?

PP – Duas condições prévias: primeiro, há sempre que perceber que o árbitro não pode ser o centro das atenções; segundo, e isto é óbvio, os árbitros devem justificar as suas intervenções no meio em que estão inseridos e nomeadamente nos jogos de futebol. A questão que coloco e que deve ser pensada por todos, é qual o valor acrescentado é que pode trazer o facto de um árbitro se expõe a este tipo de intervenção. E, se todos concluirmos que, efetivamente, uma intervenção antes ou depois do jogo pode acrescentar algo ao espetáculo, os árbitros estão disponíveis para o fazer. Estará o público, os dirigentes, os atletas, os dirigentes, preparados para ouvir as justificações dos árbitros? Esse exemplo de que falou foi muito singular. O que foi dito num determinado contexto, e com uma honestidade suprema, foi aproveitado para outras interpretações que não foram as que presidiram à situação em concreto.


R – Queria ainda saber o que acha sobre um caso de concreto no relacionamento com os clubes. Já depois daquele boicote dos árbitros aos jogos do Sporting, o presidente da AG do clube, Eduardo Barroso, disse que “quando Pinto da Costa espirra, os árbitros constipam-se”. Como comenta isto?

PP –Relativamente aos dirigentes tenho uma opinião objetiva: gostava que falassem tanto quando são beneficiados como quando são prejudicados. Essa ladaínha vem de pessoas que apareceram há dois dias no futebol, porque foram convidados, e que não têm uma cultura desportiva, porque se o tivessem não faziam esse tipo de afirmações. Não vou dizer nomes, mas peço que tenham contenção naquilo que dizem, porque quando chegamos ao final do campeonato, entre o deve e o haver naquilo que são beneficiados e prejudicados, se calhar fica zero a zero. Portanto esta história de chorar no momento em que são prejudicados e de assobiar para o lado quando são beneficiados, já chega, porque já não colhe frutos junto dos árbitros. As pessoas que se preocupem e se justifiquem perante as massas associativas dos investimentos fabulosos que fazem e deixem os árbitros e as arbitragens em paz. Deem tranquilidade aos árbitros que, de certeza absoluta, que vão ter melhores arbitragens.


R – Pergunto-lhe ainda sobre um caso do qual foi protagonista no último clássico. No final do jogo, o Hulk falou de si por causa de uma confusão que houve durante o jogo. Disse-lhe realmente que você é que era a estrela?

PP – Isso são coisas que os jogadores dizem. Tenho todo o respeito pelos atletas, até só porque eles é que são os artistas do espetáculo e devemos defendê-los. Isso nem merece qualquer tipo de comentário; é um tipo de conversa que não tenho com os atletas. Tenho uma excelente relação com eles, embora não permita que infrinjam o quadro normativo de regras do futebol. Acredito que tenha sido um lapso de contenção verbal que o Hulk deve ter tido, depois de um jogo altamente intenso, e porque o FC Porto não conseguiu os intentos desportivos.

R – O Pedro chegou ao clássico da semana passada num bom momento de forma, foi bastante elogiado. Tem esse cuidado extremo na preparação? Sabemos que gosta de neve, corre na São Silvestre… O trabalho físico preocupa-o mesmo?

PP – Sim, é uma das grandes vertentes. O trabalho de um árbitro é composto por várias vertentes, e a física é muito importante; mas não sou só eu. Hoje em dia os árbitros em Portugal têm um nível físico elevado. As provas a que somos sujeitos pela própria Comissão de Arbitragem de Portugal ultrapassam em muito aquele que é o protocolo da FIFA e da UEFA. A minha preocupação é constante, não descuro quer esse, quer outros, aspetos, mas esse em particular, até porque sou um apaixonado pelo desporto; portanto, faço-o pela obrigação que me é exigida, mas também pelo gosto que tenho.

R – Gosta de motas e de neve. É um desportista radical?

PP – Eu diria que ser árbitro é por si só um desporto radical. Mas efetivamente a adrenalina é algo que eu gosto.

R – Em que momento é que decidiu que ia ser árbitro?

PP – Foi no dia que entrei para a universidade. Tive de optar entre os livros e a prática do andebol que me roubava muito tempo. E nessa altura, e em boa hora o fiz, optei por ser árbitro de futebol, porque podia gerir os meus tempos de maneira diferente.

R – Satisfaça-nos uma curiosidade, o gel no cabelo em todos os jogos é imagem de marca ou superstição?

PP – É algo que diz unicamente respeito à minha higiene pessoal. Não tem nada de transcendente. Sempre usei, desde miúdo e tenho mantido. Mas se amanhã me lançarem o repto, apitarei um jogo sem gel, com todo o gosto.

In:Record

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